Saúde – algo saiu muito errado

Por Carlos Alberto
Sardenberg

Comecemos por desejar toda sorte do mundo ao ex-presidente lula.quem já passou por essa doença desgraçada sabe como o momento é difícil, mesmo para os mais fortes. A pessoa precisa se concentrar no tratamento, entender que esta é a sua prioridade, mas também não pode ficar inteiramente nisso. Precisa tocar a vida no tempo possível. Lula começou bem, naquele estilo positivo. Força!
Não vamos, portanto, personalizar a questão. É errado fazer isso. Porém há na praça um tema político, social e econômico do qual já tratamos algumas vezes nesse espaço e que merece a atenção de todos.
Vamos falar francamente: num país que mantém um sistema público de saúde, universal, administrado diretamente pelo governo, é no mínimo embaraçoso que as autoridades da república, sem exceção, busquem tratamento na rede privada.
Não há crime, não é ilegal nem antiético em muitos casos – como no das autoridades que pagam seus próprios planos de saúde. As há situações mais complexas.
O congresso nacional fornece assistência médica praticamente irrestrita a deputados e senadores e, em muitos casos, a seus familiares. Parlamentares são tratados nos melhores hospitais privados – não raro, no exterior -, tudo por conta da casa, quer dizer, tudo por conta dos contribuintes.
Funcionários do poder legislativo federal têm planos de saúde, como muitos outros colegas. O pessoal do ministério da saúde também não se trata no sistema único (SUS), mas na rede privada por um convênio particular. Os militares vão aos hospitais das forças armadas. Resumindo: autoridades e funcionários de um determinado escalão para cima não vão ao SUS. Cuidam-se (e cuidam de seus familiares) nas redes privadas de saúde, com pagamento total ou subsídio do setor público.
De novo, não é ilegal. O sistema de saúde definido na constituição brasileira é misto. O sistema básico é o público,universal e gratuito, baseado no princípio de que a saúde é direito do cidadão e dever do estado. Subsidiariamente, os constituintes admitiram um sistema privado, como acessório.
E foi por pouco. Havia um forte viés estatizante entre os constituintes de 1988. A tendência era de eliminar o sistema privado, de tal modo que todos os hospitais e clínicas passariam ao controle público.
Depois, diante do óbvio exagero dessa proposta – e diante de seu custo, pois seria preciso pagar indenizações para estatizar-, passou-se a admitir que a rede privada então existente poderia continuar, porém sem expansão.
Após muita negociação, saiu o texto que consagra o sistema único de saúde, mas aceita um sistema privado acessório e, de algum modo, controlado e supervisionado pelo estado.
Atualmente, esse sistema “acessório” atende quase 50 milhões de brasileiros, na maioria por meio dos planos de saúde e seguros de saúde.

Mais do que isso. Como demonstram pesquisas feitas com as novas classes médias, um dos sonhos dessas famílias emergentes é justamente poder pagar o plano de saúde para escapar do SUS. (além de também poder pagar uma escola particular.).
Portanto, sem esse sistema privado, a saúde brasileira simplesmente entraria em colapso, milhões de pessoas seriam prejudicadas. Logo, esse “acessório” deveria ser tratado como essencial.
E, no entanto, as autoridades reguladoras nos governos Lula e Dilma mantêm uma atitude, digamos de bronca pesada com o setor privado. Para resumir: controlam o preço das mensalidades e exigem a prestação de cada vez mais serviços; e limitam a receita e impõem a ampliação do atendimento, ou seja, dos gastos.
É como se esse sistema privado tivesse de ser punido.
Por quê? Ora, porque é a demonstração concreta dos fracassos do SUS. O pretexto, como sempre, é de que o sistema precisa de regulação e que os consumidores (pacientes) devem ser protegidos da sanha de lucro das companhias privadas.
Mas o que conseguem? Uma piora do serviço nos planos e seguros mais acessíveis para as classes médias e o encarecimento brutal daqueles que dão direito à medicina fornecida por hospitais como o Sírio-Libanês.
Assim, quem pode ser curado nos hospitais de ponta? Os muitos ricos, que pagam diretamente; as famílias de renda alta, que podem pagar planos e seguros de ponta; empregados de boas companhias privadas, que pagam parte das mensalidades; e autoridades, funcionários públicos de escalão elevado e políticos lá de cima, financiados pelos órgãos públicos, ou seja, pelos contribuintes.
Classes médias já vão para os hospitais de segundo nível. E o povão vai para as filas do sistema único de saúde, para ser tratado com equipamentos e medicamentos inferiores.
Algo saiu errado, pois há sistemas públicos de saúde que funcionam melhor que o brasileiro, a custos proporcionais. E também há sistemas privados mais baratos e mais acessíveis do que os nossos.

Jornalista
E-mail: sardenberg@cbn.com.br


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